quarta-feira, 30 de março de 2011

"Os Pais dos Outros" de Romana Petri


E agora, algo de  pessoal. Por razões que não vêm ao caso, fui criado com os meus avós desde os 6 meses de idade. Consequentemente os meus pais foram os meu avós. Quando aos cinco ou seis anos, tentaram que regressasse à casa pátria, a demanda foi inútil. Nem à força me conseguiriam tirar do mundo que conhecia e amava.

A relação foi-se mantendo conturbada e difícil, e deixou marcas que até hoje permanecem. Um sentido de rejeição. Um relacionamento belicoso com o meu pai e mãe. E um orgulho no modo como exerço a paternidade, que quase roça a soberba. Sobre mim nunca foi exercida qualquer tipo de violência. Devo ter apanhado duas ou três merecidas palmadas no rabo. Mas as relações pais-filhos são sempre marcadas por conflitos, enganos e desenganos, e a nossa muito particular mundividência.

Estas confissões foram despoletadas por um livro extremamente agreste sobre as relações entre nós e os nossos progenitores, que se chama "Os Pais dos Outros" de Romana Petri. Para quem viveu situações de conflitualidade extrema, este livro é quase uma catarse, pela mais simples das razões. A visão é sempre a dos filhos, e de como os pais (mesmo os ausentes), formam a nossa personalidade, despoletam as nossas angústias, são o objecto da nossa raiva.

Ou como nunca passamos de crianças a querer agradar aos pais.

6 comentários:

Fenix disse...

Fernando,

Boa proposta!

"Trata os outros como queres ser tratado" - (excluem-se os masoquistas). ;)

Abraço
Ana

P.S. - Reparei que mudou a decoração ?! Está um ambiente muito acolhedor, propício a conversas amenas sobre livros ou... incendiárias...tão ao gosto do nosso caro Abominável Careca!

Fernando Lopes disse...

Ana,

É um livro em que os "maus" são sempre os pais. As mães são personagens quase inexistentes. Eu se soubesse escrever, escrevia As Mães dos Outros , pois sei por experiência própria que são capazes de grandes maldades. Não violentas, mas maldades.
A indiferença também mata!

Abraço,
Fernando

M Manel disse...

(2ª edição do comentário)
Na vida há várias inevitabilidades: uma delas é sermos filhos de alguém.
Por razões fora deste contexto, não sou mãe e vou-me apercebendo que o ser pai/ mãe vai alimentando a relação filial "acima", se se pode dizer.
Com o passar do tempo e com o que vou vivendo,(o meu pai também já não está presente), quando analiso os personagens "pais" na minha vida, realizo-os cada vez mais como seres com personalidade própria e não como aqueles que tiveram consequências diretas na minha vida, voluntariamente ou não.
Parece-me que não dever ter sentido crítico sobre a minha actuação parental, faz com que a minha visão esteja mais tolerante sobre a perspectiva da actuação parental deles, se me faço entender.
Apesar da tal relação problemática que também vivi e e subscrevendo o tal livro "outras mães", agora tenho mais a visão "porreiro, pá". Além de tudo, nenhum de nós consegue ter a percepção total do alcance das próprias acções, sejam elas em que campo forem.
Como filha, e no que referes agradar aos pais, ao longo dos tempos, a minha imagem sempre foi a da menina certinha (salvo um grave sustos automobilístico, como sabes).
Nesta senda, a maior glória que senti face ao meu pai, foi quando ele, (já tinha eu 26 anos),me chamou irresponsável... Ireesponsável - finalmente!
Quanto à glória face à minha mãe, ainda estou a escolher. Essa é difícil, por que ela apronta mais do que eu...

Fernando Lopes disse...

Manel,

Compreendo perfeitamente a tua posição, um certo "laisez faire laisez passer", que em parte é provocado pelo distanciamento. No meu caso, que vale o que vale, a paternidade reforçou as minhas raivas e angústias. Não sei caracterizar o processo, não sei se é de aperfeiçoamento ou não, mas é de preocupação pelo bem estar dos filhos. Diria, que no espaço de uma ou duas gerações, os filhos passaram de actores secundários, a actores principais. Com tudo de bom e de mau que isso acarreta. É difícil não criar seres egocêntricos, quando os transformas no centro da tuas preocupações. Mas é possível. É nisso que tenho trabalhado, para tentar conseguir o melhor de dois mundos.
Só o tempo dirá se fui bem sucedido ou não.

Abraço,
Fernando

Unknown disse...

Bem aventurados aquele que não carregam estes fantasmas ! São coisas que se falam à boca pequena porque socialmente incorreto: “mãe é mãe!” (como isto me arrepia!) Sofri a dor de ter uma mãe que esbanjava maldade (hoje, a idade e a solidão retirarm-lhe o poder). Traços psicológicos doentios que nos tornaram crianças sem qualquer auto-estima, vivendo num rodopio de intrigas e maledicências. Orgulho-me, hoje, de me ter libertado desse ambiente. Como? Procurei perdoar. Não a pessoa. Não esquecer, mas perdoar para poder seguir em frente com a minha vida sem olhar para trás. Houve custos. Alguns ditaram as minhas escolhas! Mas, afinal, foram estas experiências que me tornaram o que sou. Que me obrigaram a refletir, a escolher e a decidir o que queria EU da vida.
Fernando, desculpa este comentário mais ao gesto de desabafo! É um assunto tão melindroso para mim!

Fernando Lopes disse...

Margarida,

Não tens que pedir desculpa. Pelo contrário tens de te orgulhar de ter conseguidos colocar os teus fantasmas na prateleira. Os comentários de partilha, são os mais difíceis para quem os faz, mas os mais enriquecedores para quem lê. Provam-nos que não estamos sozinhos, que somos capazes de tentar exorcisar os nossos medos e traumas.
E é bom haver coragem para partilhar. Eu sei que nem sempre é fácil.

Abraço,
Fernando

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