domingo, 22 de janeiro de 2012

D. Sofia

A amizade une-nos desde a 1ª classe. Quatro mosqueteiros que 41 anos depois mantêm o espírito de miúdos reunindo-se frequentemente. Não conheço mais ninguém que desde a infância tenha mantido contacto regular com os colegas da escola primária. O que nos uniu? Que marcas são estas que se prolongam por toda uma vida?

Fomos educados numa escola particular em que nunca - leram bem - nunca, nenhum aluno tirou menos que Bom no exame oficial que éramos obrigados a fazer no final da 4ª classe. O método? O terror. A D. Sofia dava aulas às quatro classes ao mesmo tempo. Quatro filas, cada fila uma classe. Ao fundo o retrato de Marcello Caetano e Américo Tomás. Entre eles o mapa do império português.

Assisti a tareias incontáveis, levei os meus tabefes, reguadas, fui vítima da palmatória. Cada vez que éramos chamados ao quadro as pernas tremiam como varas verdes. A D. Sofia, baixinha e mamalhuda, fazia uso da violência com frequência inusitada. O medo era tal que um colega chegou urinar-se. De medo puro. Assistimos [e fomos vítimas] de actos de violência que, hoje, postos no youtube dariam prisão. Não imaginam o combate e a resistência que foi o nosso ensino primário.

Talvez por isso unimo-nos nesta adversidade, de tal forma que a amizade subsiste até hoje. Raramente evocamos esses tempos. Os momentos difíceis potenciam a solidariedade, o apoio, a entreajuda. Uma lição de e para a vida que faz tanto sentido hoje como quando em 1970 cheguei àquele ringue.

4 comentários:

bibónorte disse...

E o Hino cantado com a mão direita estendida? Saudação fascista sim senhor! E as rezas, o 13 de Maio em Fátima visto a preto e branco em casa da professora? Desses tempos só tenho saudades do recreio!

Fernando Lopes disse...

Saudação fascista. Tem toda a razão. Recreio? Não tínhamos. Fazíamos xix-xi hierarquicamente. Os da 4a primeiro, a seguir a 3a e assim sucessivamente. Aquilo era um concentrado de tropa para menores! :)

Abraço,
Fernando

Moriae disse...

Fernando, temos uma pequena diferença de idade (pequenina mesma) mas marcou a diferença .. Não apanhei isso. Em 1974, tinha 4 anos pelo que ... a primária, foi sem esses sobressaltos!

Fortes recordações, as vossas!
Abraços! : )

Fernando Lopes disse...

Moriae,

Sete anos, nessa época, representaram em termos comportamentais, uma eternidade. Além disso, era uma escola privada, não sujeita a qualquer tipo de controlo. Um mundo à parte onde reinava a impunidade. Lembro-me como se fosse hoje, que apareceu lá a mãe de um aluno novo, a queixar-se da violência a que o filho tinha sido sujeito. Ela só disse:
- Ponha-se daqui para fora antes que eu a ponha com uma perna a lamber a outra!
E a mãe desse miúdo, lá saiu, rabinho entre as pernas.
Era mesmo um mundo alternativo!

Abraço,

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